domingo, 23 de setembro de 2012

A LOUCURA DA PREGAÇÃO..


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                                                               Pr. José Barbosa de Sena Neto


Perguntamos: será que a evangelização é um privilégio somente para pastores, evangelistas e missionários? Se não, por que e como devemos evangelizar? Ainda hoje, a evangelização é um grande desafio para todos nós, crentes em Jesus. Este tema não se constitui como dos mais interessantes sobre a vida cristã muito mais nos dias de hoje, caracterizado pelo descompromisso agravante da maioria da membresia das igrejas locais. Hoje a proclamação é caracterizada e comandada pela visão da prosperidade a qualquer custo...

Porém, ele é um dos principais valores da fé cristã juntamente com a adoração e a edificação dos santos. Segundo as Sagradas Escrituras, todos os regenerados constituem uma “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”. (I Pedro 2.9) Todos os nascidos de novo foram chamados por Deus para propagar os louvores de Deus, ou seja, para dar testemunho.

De acordo com as Escrituras Sagradas, a evangelização é indispensável para a salvação dos perdidos. O apóstolo Paulo afirma: “aprouve a Deus salvar os que creem pela loucura da pregação” (I Coríntios 1.21b) É por meio da pregação do Evangelho que os pecadores são salvos. Através da pregação do Evangelho, Deus comunica a fé salvadora aos homens perdidos.  “E assim, a fé vem pela pregação e a pregação da palavra de Cristo” (Romanos 10.17). Desta forma, a evangelização não é assunto para uns poucos vocacionados, mas para pessoas que foram transformadas pela loucura da pregação de nossa identificação com Cristo crucificado.

Evangelizar na sua definição mais simples é pregar o evangelho. O Evangelho é uma boa nova de Deus para o mundo. A implicação disso é que o evangelho tem, ao mesmo tempo, uma origem divina (ele vem de Deus) e uma relevância humana (ele fala pelo ser humano transformado). A grande tragédia do cristianismo nos dias de hoje não tem sido a falta de evangelização, mas sim, de uma evangelização centrada em Deus.

O que tem predominado é uma evangelização antropocêntrica, centrada no homem. O foco deixou se estar em Deus, e passou a estar no homem. O resultado disso é a grande dependência de métodos e estratégias humanos ao invés da dependência total da graça de Deus. A evangelização cedeu lugar para o proselitismo e o Evangelho transformador tem sido substituído por sistemas religiosos ou conceitos de autoajuda. Há muitos métodos ‘com propósitos’ e sem propósitos divinos, apenas estratégias de marketing. Por isso tantas igrejas superlotadas de pessoas vazias e sem vidas genuinamente transformadas pelo poder de Deus. Falta-lhes a ação do poder de Deus, poder transformador. 

Se realmente quisermos conhecer e participar da evangelização, devemos retornar à Bíblia Sagrada. A evangelização bíblica tem como ponto de partida Deus Pai e nunca o homem. Ela começa com Deus, é por meio de Deus e é para Deus, “porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas” (Romanos 11.36).  Deus é o autor da evangelização.  As raízes da evangelização estão fincadas na eternidade. Foi o Deus Trino quem arquitetou o plano da salvação para ser executado em várias etapas, antes que o mundo existisse.

Neste plano, Deus Pai devia enviar seu Filho ao mundo para resgatá-lo do pecado, Deus Filho haveria de vir voluntariamente ao mundo para se tornar merecedor da salvação por meio de sua obediência até a morte, e Deus Espírito, aplicaria a salvação dos pecadores, derramando sobre eles a graça renovadora.         

A - Deus Pai, foi o grande mentor da salvação e da evangelização. Foi Ele quem concretizou no tempo o plano eterno da salvação, revelou sua execução no evangelho e estabeleceu o evangelho como o meio indispensável de salvação. Ainda na eternidade, ele comissionou o Filho para se tornar o redentor do mundo mediante sua morte vicária na cruz e mediante a sua obediência perfeita. Em favor dos pecadores, Deus planejou que o seu Filho nos resgatasse da maldição da lei, “fazendo ele próprio maldição em nosso lugar (porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro).” (Gálatas 3.13). Foi Deus quem inspirou os antigos profetas a predizerem a vinda do Filho de Deus em carne para experimentar o sofrimento e depois a glória.

Nos dias da encarnação de Jesus, ele enviou sobre Ele o Espírito Santo para capacitá-lo a realizar suas obras. Deus Pai não poupou o Seu Filho Unigênito em favor dos pecadores. Foi ele quem ressuscitou Jesus dentre os mortos. Foi ele também quem exaltou seu Filho acima de todo o nome. (Filipenses 2.9-10).    

B – Jesus também é autor da evangelização. Jesus morto e ressuscitado constitui o tema central do evangelho. Ele se dispôs voluntariamente diante do Pai a se tornar o salvador dos homens. (Hebreus 10.7).  Foi Jesus, quem trouxe à luz a essência do evangelho (João 1.29). Nos dias de sua carne, ele proclamou o Evangelho do reino de Deus. Ele deu responsabilidade aos seus apóstolos e à sua igreja, após ter morrido e ressuscitado, inaugurando uma nova dispensação. “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações” (Mateus 28.19) Foi Ele quem deteve Saulo de Tarso, transformando-o, de perseguidor da igreja, no maior missionário e evangelista cristão de todos os tempos.

C – O Espírito Santo é o autor da evangelização. É pela graça regeneradora do Espirito Santo e pela eficaz aplicação do Evangelho feita pelo mesmo Espírito que o pecador chega ao arrependimento e à fé. Foi o Espirito Santo quem moveu os homens do Velho Testamento a falarem, “porque nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens (santos) falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo” (II Pedro 1.21). 

No Pentecostes, o Espírito Santo veio sobre a igreja capacitando-a a conquistar o mundo para Cristo. O Espírito é poder capacitador para a igreja testemunhar de Cristo. Ele transformou Pedro de um covarde em um intrépido pregador do Evangelho. O Espírito Santo foi ele quem guiou Paulo para Roma. É a terceira Pessoa da Trindade quem preserva o Evangelho. Não fosse Ele, há muito tempo se teria perdido o Evangelho. A própria igreja o teria destruído. Ele é o Espírito da verdade. (João 14.16-17). Assim, não é a eloquência do pregador, nem a força de vontade da pessoa não regenerada a razão da regeneração, mas sim, a operação da graça do Espirito Santo.

Sim, a evangelização tem o seu princípio em Deus e este é o principal motivo porque temos que evangelizar. Sendo assim, precisamos entender que a evangelização é muito mais do que evangelismo e missões; é mais amplo e, evidentemente, abrange o trabalho de evangelismo e a obra de missões. Ela abrange tanto a dimensão externa como a interna da igreja. Somente o Evangelho é capaz de motivar e capacitar uma nova criatura a evangelizar. Somente uma pessoa que conhece o evangelho como experiência, poderá evangelizar. Mas a verdade é que o Evangelho pregado culto após culto dentro das igrejas é que nos fortalece e nos impulsiona a evangelizar. A evangelização interna da igreja é tão fundamental como a dos não crentes. Uma não acontece sem a outra.

Uma vez transformados pela mensagem da morte e ressurreição de Jesus e de nossa morte e ressureição com Ele, crescemos no conhecimento de Cristo pelo mesmo Evangelho. Quanto mais mergulhamos no mar, mais percebemos a sua dimensão. Assim se dá com o Evangelho. Cristo me atraiu, Cristo me crucificou, Cristo nos fez morrer, Cristo nos ressuscitou, Cristo é minha vida, são as forças motivadoras da verdadeira evangelização. Uma vez que isso se constitui na base de nossa experiência cotidiana, fica muito mais fácil compartilhar e proclamar o Evangelho.

Portando, se quisermos, podemos nos envolver em projetos de evangelização da igreja local ou ainda atuar como missionários em algum lugar distante. Não importa como pregamos o Evangelho “a tempo e fora de tempo”, “quer seja oportuno, quer não” (II Timóteo 4.2), o que não podemos é nos calar, porque é da vontade de Deus salvar os que creem pela loucura da pregação. Que assim o Senhor Deus nos capacite. Amém!  

HUMILHAÇÃO E EXALTAÇÃO DE JESUS



                                        Pr. José Barbosa de Sena Neto
                                     pastorbarbosaneto@yahoo.com.br



A manifestação da graça na vida cristã liga-se a um Cristo que se humilhou. Um Cristo humilde que, tendo a forma de Deus, deixa-a para Se humilhar até à morte e morte de cruz. O meio dessa união entre os santos, e o meio para a manifestação e permanência desse amor, está na identificação com Cristo. Foi esta humildade que tão perfeitamente se manifestou em Cristo, em contraste com o primeiro homem Adão. Este tinha procurado torna-se semelhante a Deus por usurpação e elevar-se em detrimento de Deus, sendo ao mesmo tempo desobediente até a morte. (Gênesis 2.16-17; 3.6-7).

O Senhor Jesus, quando em forma de Deus, aniquilou-Se, por amor, de toda a Sua glória, da forma de Deus, e tomou a forma de homem, e em forma de homem se humilhou. Como Deus, humilhou-Se até a morte e morte de cruz (Filipenses 2.8). Que perfeito amor, que gloriosa verdade, que preciosa obediência!  Um Homem, pelo justo julgamento de Deus e pelo Seu ato foi elevado à direita do trono da majestade divina! Em Cristo, temos a plena manifestação do amor de Deus aos homens (Hebreus 1.1-3).

O Senhor Jesus revelou Deus para nós de maneira plena. Se quisermos saber como Deus é, basta olharmos para o Senhor Jesus. Deus é amor e nós vemos esse amor em Jesus Cristo. Em Cristo vemos Deus plenamente, e não há outra maneira de conhecer a Deus, senão no conhecimento que encontramos na pessoa de Jesus Cristo.

Que maravilhosa verdade é a pessoa de Cristo! Que sublime verdade é esta descida e esta ascensão pela qual Ele enche todas as coisas como Redentor e Senhor da glória! Deus descido em amor; o Homem assunto ao céu segundo a justiça! Agora, Ele que foi digno, em toda eternidade, quanto à Sua pessoa, de estar assim à direita de Deus, é, como Homem, elevado por Deus a Sua direita! Todos os conhecimentos encontram-se em Cristo, todas as sabedorias residem Nele, tudo está Nele! “Porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude” (Colossenses 1.17-20).

Se olharmos para a criação, Ele é o primogênito; se olharmos para a nova criação, Ele é o princípio; se olharmos para a Igreja, Ele é o cabeça; se olharmos para o universo, Ele é o Senhor. O pleno conhecimento da vontade de Deus é simplesmente Cristo.  A justiça de Deus foi plenamente satisfeita. Os nossos corações podem tomar parte, alegres, na glória do Senhor, alegres por também ali terem parte pela graça do Senhor. Só Deus podia esvaziar-se de Sua glória em favor de criaturas caídas. Tudo por amor! Que extraordinário amor!

Mas é Nele, em Cristo, que o apóstolo Paulo pensa, não em nós, frutos dessa humilhação. Paulo se alegre no pensamento da exaltação de Cristo. Deus O elevou soberanamente e Lhe deu um nome que está acima de todo o nome, de sorte que todo o ser nos céus e na terra, e mesmo todo o ser infernal deve dobrar os joelhos diante deste Homem exaltado por Deus, e toda a língua deve confessar que Jesus Cristo é Senhor, para a glória de Deus Pai! (Filipenses 2.9-11). 

Deus ressuscitou o Senhor Jesus dentre os mortos e Lhe deu a glória e um lugar acima de todas as coisas, lugar de que Ele era, sem dúvida, pessoalmente digno, mas que recebe e devia receber das mãos de Deus, que O estabeleceu como Senhor sobre todas as coisas. Unindo-Se à Igreja como sendo o Seu corpo, e ressuscitando os membros desse corpo da sua morte em pecados pelo mesmo poder que ressuscitou e exaltou o Cabeça, vivificando-os juntamente com Cristo e fazendo-os assentar nos lugares celestiais Nele, pelo mesmo poder que O exaltou. Assim a Igreja, o Seu corpo, é a Sua plenitude.  

O apóstolo Paulo pede aos crentes de Éfeso para que eles conheçam o poder, já manifestado, que tinha já operado a fim de que eles tivessem parte nesta bendita e gloriosa posição. Porque do mesmo modo como eles eram introduzidos pela soberana graça de Deus na posição de Cristo perante Deus, Seu Pai, assim também a obra que foi operada em Cristo, e o desenvolvimento do poder de Deus que teve lugar elevando-O desde o túmulo até à direita de Deus Pai, acima de todo o nome que se nomeia, são a expressão e o modelo da ação desse mesmo poder que opera em nós que cremos. E este poder nos eleva do nosso estado de morte no pecado, para nos fazer tomar parte na glória desse mesmo Cristo. Que abençoada humilhação! Que gloriosa exaltação!    

MARAVILHOSA GRAÇA!...




                                     Pr. José Barbosa de Sena Neto
 

     Nascemos neste mundo algemados pelo pecado, mortos para Deus e filhos espirituais do diabo. Estas são palavras fortes, no entanto, retratam a mais pura realidade do ser humano.  Não podemos brincar com este assunto. A natureza que herdamos do nosso primeiro pai, Adão, é totalmente avessa a Deus (João 8.34; Efésios 4.18; João 8.44a).

   Toda a predisposição do homem é em direção às trevas. De modo espontâneo, amamos o engano e não precisamos nos esforçar para andarmos nos desejos de nossa carne. Somos conduzidos pela natureza adâmica  e de modo natural nos inclinamos aos apelos do nosso coração caído (Jeremias 13.23).

   Muitos se gloriam e se satisfazem em sua própria justiça. Pensam que por terem uma conduta aprovada pelos homens serão aceitos por Deus. Ledo engano! A Bíblia não admite este tipo de conclusão (Isaías 64.6). Observemos que não são os nossos pecados que são "trapos de imundície", e sim, "as nossas justiças". Verdadeiramente a queda no Éden trouxe a ruína espiritual para toda a humanidade. Todas as ações realizadas pelo homem, por mais dignas que possam ser, estão maculadas pelo pecado.

   Diante deste fato, constitui-se num engano terrível alguém pensar que as suas obras de justiça, seu comportamento, sua religiosidade ou moralidade lhes servem como uma espécie de garantia de salvação. Qualquer tentativa do homem em buscar a salvação por meio de seus próprios méritos é absurda, ofensiva, inaceitável e abominação diante de Deus. Vejamos o que as Escrituras nos dizem: (Efésios 2.9; Romanos 11.6; Filipenses 3.4-8).

   Alcança grande bênção aquele que ganha a revelação de sua completa pecaminosidade. No entanto, aquele que pensa que tem em suas mãos o destino de sua vida, é o mais miserável de todos os homens. Pobre daquele que acha que precisa fazer a sua parte como: boas obras, caridade, ritos religiosos, para que possa ser salvo. Louco é o homem que não dá a devida atenção à questão mais importante da existência humana: a regeneração em Cristo Jesus!

   Ser salvo pela graça significa dizer: nasci em iniquidade e mereço o inferno, contudo, fui alcançado pela bendita misericórdia divina; merecia a condenação, mas ganhei a justificação; o lago de fogo e enxofre era o lugar para onde eu deveria ir, porém, o Senhor Deus me reservou o céu como herança! Louvado seja Deus!

   A graça repousa apenas naqueles que chegaram ao fim de si mesmos, ou seja, nos falidos. É incrível, mas muitos pensam que pelos seus muitos pecados estão privados da graça de Deus. Isto é contradição! No conceito humano, pecado e graça estão em extremos opostos. Pensam que a graça vem somente onde não há pecado. Porém, é exatamente o contrário!

   A nossa miséria é condição básica para recebermos a graça!  O pecado é um dos maiores enganos do homem, mas o seu maior engano é pensar que o pecado impede o homem de receber a graça! (Romanos 5.20) Não são os nossos pecados que impedem a ação da graça em nós, mas a nossa soberba. Somos tremendamente limitados para compreendermos este tão santo e puro atributo divino, que é a soberana graça.

   É dito que o caminho para o céu não atravessa uma ponte de pedágio, e, sim, uma ponte livre,  a saber, a graça não merecida de Deus, em Cristo Jesus. A graça opera independentemente dos valores humanos. Ela reside unicamente na soberana vontade de Deus. A graça divina recusa-se a ser ajudada naquilo que ela tem de fazer. Portanto, nada há que possa derrotá-la, e uma vez dada, age eficazmente.

     O reinado da graça está baseado na justiça do Filho de Deus (Romanos 5.21b). A graça de Deus está fundamentada na obediência perfeita e meritória de Jesus Cristo. Sendo a graça o que é, a mensagem da cruz torna-se a única esperança para o pecador afundado no brejo do pecado. A salvação do perdido está ligada diretamente ao sacrifício realizado por Jesus Cristo naquela cruz (Tito 3.4-7).

   Cristo em sua morte, carregou a culpa do nosso pecado. O Senhor do universo, pendurado naquele rude madeiro, derramou todo o seu sangue e, desta forma, nos outorgou tão grande salvação (Romanos 3.24-25a). Somente a graça tem o poder miraculoso de trocar a nossa velha natureza por uma complemente nova, transformada (II Timóteo 2.11).  

   Nada podemos fazer, em nada podemos colaborar, a não ser nos render a esta maravilhosa graça! A porta de acesso para a salvação do pecador tem um único nome: GRAÇA!  A graça anuncia que não precisamos fazer nada para sermos salvos. Ela não exige, mas doa. A graça não requer que sejamos fortes, mas fracos. A graça reina triunfante. Somente pela graça, o homem pode ser salvo! Graça! Quão maravilhosa graça! Louvado seja Deus!

Graça! Quão maravilhosa graça,
Como o firmamento, é sem fim!
É maravilhosa. É tão grandiosa,
É suficiente para mim.
É maior que a minha vida inútil
É maior que o meu pecado vil
O nome de Jesus engrandecei e glória dai!

SAULO, O PERSEGUIDOR...


                                                   Pr. José Barbosa de Sena Neto


O apóstolo Paulo é o responsável por esta tão chocante afirmação: “Persegui este Caminho até à morte, prendendo, e pondo em prisões, tanto homens como mulheres... Havendo recebido autorização dos principais dos sacerdotes, encerrei muitos dos santos nas prisões; e quando os matavam eu dava o meu voto contra eles. E, castigando-os muitas vezes por todas as sinagogas, os obriguei a difamar. E, enfurecido demasiadamente contra eles, até nas cidades estranhas os persegui” (Atos 22.4; 26.10-11). O que nos impressiona é o quanto um fanatismo religioso pode cegar e escravizar um homem! Eu que o diga, pois fui um perseguidor implacável do povo de Deus, mas assim “o fiz ignorantemente, na incredulidade” (I Timóteo 1.13).

Paulo, escrevendo aos irmãos em Filipos, descreve um pouco daquilo que ele conseguiu ao longo de sua vida enquanto esteve envolvido com o sistema religioso chamado judaísmo. No livro de Filipenses 3.4-6 está escrito: “Ainda que também podia confiar na carne; se algum outro cuida que pode confiar na carne, ainda mais eu: circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; segundo a lei, fui fariseu; segundo o zelo, perseguidor da igreja, segundo a justiça que há na lei, irrepreensível.”

O que aconteceu a este homem, portador de tão distinto currículo? O que fez com que ele considerasse esterco tudo aquilo que alcançou através da sua religião? Por outro lado, como afirmar a sua afirmação categórica? “Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho” (Filipenses 1.21). O que motivou Paulo a registrar tão profundas palavras? “Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu u  nome que é sobre todo o nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o  Senhor, para glória de Deus Pai”! (Filipenses 2.9-11).

Para responder estas e outras questões, precisamos voltar para a estrada de Damasco, por ali aconteceu um encontro já agendado pelo Senhor antes da fundação do mundo. Isto está registrado no Livro de Atos 9.1-5. Observemos, inicialmente, que o ódio de Saulo era contra os discípulos do Senhor Jesus, e não propriamente contra Jesus. Para este homem furioso, Jesus era apenas um defunto. Saulo estava perseguindo apenas um grupo fanático e, na sua mente, um grupo herético. Ele também não sabia que perseguir a Igreja é perseguir o próprio Cristo. No entanto, já bem próximo de Damasco, de maneira inesperada, uma luz vinda do céu brilhou fortemente ao seu redor, e em consequência disto, Saulo caiu por terra.

Segundo biblistas famosos, o verbo cair, utilizado por Lucas nesta passagem, tem um significado extremamente importante, pois equivale a: cair como morto, cair em pedaços ou ter um colapso. O quadro prossegue, e nos mostra que durante a queda uma voz ecoou dizendo: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” Saulo então, perguntou: “Quem és tu, Senhor?” É possível que a resposta dada pelo Senhor tenha trazido um profundo espanto no coração de Saulo:  “Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Duro é para ti recalcitrar contra os aguilhões”.

Devemos saber que Saulo de Tarso era um homem extremamente preparado e conhecia os Escritos da velha dispensação. O livro de Atos 22.3 confirma isso: “Quanto a mim, sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, e nesta cidade criado aos pés de Gamaliel, instruído conforme a verdade da lei de nossos pais, zeloso de Deus”.

A expressão EU SOU penetrou profundamente em seu ser. Saulo reconheceu perfeitamente aquela fala. Sabedor como era de toda lei, conhecia muito bem aquelas palavras. No livro de Êxodo 22.3a está registrado: “Eu sou o Senhor, teu Deus...”.  Como deve ter ficado o coração de Saulo diante de tão grande revelação? Saulo, completamente despedaçado, percebeu que estava frente a frente com o  Deus da Aliança, o Criador do universo.

Certa ocasião, Jesus falou a um grupo de judeus religiosos: “Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou”. (João 8.58). Verdadeiramente,  Saulo percebeu que não estava diante de um simples homem, ele estava diante do Deus Santo e Eterno. Neste encontro verificamos o fim de Saulo de Tarso. Este homem tremendamente religioso, mas possuidor de uma natureza caída, chegou ao fim de si mesmo, pois ninguém que tenha um encontrou com o Senhor consegue permanecer o mesmo! O grande e cruel perseguidor da Igreja, daquele momento em diante, seria um vaso escolhido por Deus para que anunciasse o seu Filho bendito por toda a parte: “E logo nas sinagogas pregava a Cristo, que este é o Filho de Deus” (Atos 9.20).

O Senhor Jesus Cristo veio a este mundo para libertar o homem de todo o jugo de escravidão. As maiores e mais danosas algemas encontram-se nos sistemas religiosos. O compromisso do Senhor Jesus é nos dar vida, e não nos dar um sistema para seguirmos. “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará ... Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” (João 8. 32 e 36).

A Igreja de Cristo não é um sistema de religião, mas uma reunião de santos. Pessoas que foram regeneradas pela graça de Deus, e que se reúnem por causa de Cristo, por meio de Cristo e para Cristo. A Igreja de Cristo é composta de pessoas que foram libertadas (arrancadas) pelo próprio Deus “do império das trevas” e por Ele transportadas “para o reino do Filho do seu amor” (Colossenses 1.13).

Qual tem sido a busca de nossa alma? Por regras, princípios, coisas espirituais? Será que não estamos muito agarrados nas obras da religião? Será que não estamos fazendo de Cristo apenas um coadjuvante em nossas reuniões? Creio que a maior necessidade da Igreja em nossa época é ganhar a visão de Cristo e ser dirigida por ela. Pois todas as coisas são Dele, por meio Dele e para Ele. Que Deus incline o nosso coração para uma única direção, o seu Filho Jesus Cristo! Que assim seja!



“...Os Inimigos da Cruz de Cristo”



Pr. José Barbosa de Sena Neto


     Censurado pelos estigmas da cruz, o apóstolo Paulo censura aqui, afirmando com lágrimas, que há muita gente adversária da cruz de Cristo. Os opositores da cruz de Cristo não são tipos exóticos, isto é, estrangeiros. É gente da própria igreja e não do mundo. É um grupo que tem a linguagem correta, mas um espírito de hostilidade.

     O apóstolo Paulo se refere a eles como “muitos”. São crentes na passarela e hereges nos bastidores. O apóstolo chora diante deste quadro triste. Em sua biografia, nós o vemos cantar louvores debaixo da bordoada, mas ele não suporta a dor causada pelos adversários da cruz de Cristo. Ele destaca alguns traços para nos ajudar a identificar os opositores da cruz de Cristo no seio da Igreja. Paulo nos indica: “O destino deles é a perdição, o deus deles é o ventre, e a glória deles está na sua infâmia, visto que só se preocupam com as coisas terrenas”. (Filipenses 3.19).

     Em primeiro lugar, “o destino deles é a perdição”. O intento dos inimigos da cruz de Cristo é a não salvação dos perdidos. Apesar de estarem na Igreja, eles não são salvos e, sendo assim, o seu encargo principal é impedir aqueles que seriam salvos, de serem salvos. Eles procuram ocultar a mensagem da cruz, para que os perdidos não sejam alcançados pela graça.

     Eles até pregam a mensagem, mas o espírito como anunciam não é de um crucificado: são invejosos e disputam um lugar no espaço como se precisasse de reconhecimento dos irmãos. Se Deus tivesse outro meio para salvação dos pecadores fora de Cristo crucificado e não tenha usado este método, então, temos que admitir que Deus seja mau, muito mau, porque submeteu o seu Filho a um sofrimento atroz, tendo ele outra escolha. Porém, se esta é a única opção, não há como não apresentá-la aos perdidos, já que esta é a alternativa sine qua non para a salvação dos pecadores.

     Como os inimigos da cruz de Cristo são o joio no meio do trigo ou os lobos com peles de cordeiros, eles não somente fingem que são salvos, como também atrapalham a salvação dos perdidos. Não pregam o evangelho em sua essência, pois o que os motiva é a condenação eterna dos incrédulos. Quem não evangeliza ou promove a evangelização dos perdidos, por meio de Cristo crucificado, é um inimigo figadal da cruz de Cristo.

     Em segundo lugar, “o deus deles é o ventre”. Os contendedores da cruz de Cristo vivem da veneração de suas entranhas. São pessoa devotas aos seus apetites, endeusando as suas ambições carnais. Eles não sabem discernir o Pão do céu do pão dormido. Não sabem distinguir o Maná de Deus do cardápio da religiosidade; a ceia do Senhor, dos brioches da revolução francesa; o Pão nosso de cada dia, que é Cristo, do sustento diário.

     A propina também faz parte deste culto idólatra do deus guloso. Desde Esaú, que vendeu a sua primogenitura por um prato de comida, até os esfomeados pós-modernistas, que negociam a ênfase da cruz por uma posição no pódio religioso, a tática é a mesma. É a profanação do sagrado e a secularização do santo.
O “deus...ventre” é ainda ventríloquo, pois a sua boca fala inspirando a marionete da hipocrisia religiosa. Ao sonegar a pregação da cruz de Cristo, o divo das feições falsificadas promove a conduta humanista como se fosse o verdadeiro estilo de vida cristã. Essa é a tática mais perigosa dos inimigos da cruz de Cristo: a proclamação do humanitarismo como se fosse o cristianismo em sua essência.

     Em terceiro lugar, “a glória deles está na sua infâmia”. Se há um fulgor que se realça no procedimento dos inimigos da cruz de Cristo é o investimento na desonra dos outros. Os oponentes do evangelho vivem saboreando o prato da vergonha alheia. Eles se estimulam com as fofocas e se nutrem das sujeiras que gostam de destacar.  Como abutres, apreciam a carniça e se deleitam naquilo que causa embaraço e infâmia em alguém. Uma vez que o evangelho se agrada em cobrir com amor as feridas da vergonha, os contrários às boas notícias se especializam em espalhar o seu mau cheiro por todo lugar. “O ódio excita contendas, mas o amor cobre todas as transgressões”. (Provérbios 10.12).

     Uma das peculiaridades do evangelho é garantir com amor a decência do humilhado. Não se tata de encobrir o pecado alheio, mas de assumi-lo como sendo seu, enquanto avoca para si a divida do devedor. Pedro vem nos ajudar: “Acima de tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros, porque o amor cobre multidão de pecados” (I Pedro 4.8). Não é encobrir o pecado, mas cobri-lo. Não se trata de ocultação de cadáver, mas de tomar a dívida do culpado, pagando-a como se fosse sua própria dívida. Foi assim que o Senhor Jesus fez conosco.

     Em quarto lugar, eles “só se preocupam com as coisas terrenas”. Se você quiser reconhecer um inimigo da cruz de Cristo na Igreja, veja a sua ênfase. A sua agenda enfoca apenas os assuntos relacionados com o aqui e o agora. Para eles o patrimônio econômico é mais importante do que os bens eternos. O dinheiro da ‘igreja’ vale mais do que a salvação de uma alma. O saldo da conta bancária na terra tem mais significado do que os depósitos em pessoas, enviados para o banco celestial. Os inimigos da cruz de Cristo, que andam  entre nós gente de bons antecedentes criminais, mas também, são os mentores da não pregação do evangelho de Cristo crucificado. Eles procuram impedir a proclamação da nossa morte e ressurreição com Cristo, e , quando não conseguem, adaptam a mensagem usando uma linguagem semelhante, enquanto boicotam os pregadores nos bastidores.

     Os piores inimigos da cruz de Cristo estão no seio da Igreja. O apóstolo Paulo disse que eles eram “muitos”, quando a população do mundo era pequena e os números da Igreja bem menores do que agora. Acredito que temos uma multidão incalculável dos inimigos da cruz de Cristo convivendo com os santos na Igreja contemporânea. Por isso mesmo, precisamos de cuidado e acuidade espiritual para podermos não entrar no seu jogo. Rogo, pois, pelas misericórdias do Senhor Deus, para que não percamos de vista a ênfase divina na pessoa de Cristo e na Sua obra graciosa realizada na cruz do calvário.

     Que assim seja. Amém!    

segunda-feira, 12 de março de 2012

MARIA – A SERVA DO SENHOR

UMA JUSTA HOMENAGEM AO DIA INTERNACIONAL DA MULHER


A Bendita Virgem, Maria de Nazaré, a mãe de Jesus é a mais famosa de todas as mulheres da Bíblia. Para nós, cristãos evangélicos tradicionais, ela é a mais famosa de todas as mulheres do mundo através da história.

Seu privilégio é único, singular, incomparável. Ela foi nada menos que o vaso escolhido pelo Senhor Deus para realizar o grande milagre da encarnação do Verbo eterno, que estava com Deus desde o princípio e era Deus (João 1.1.14). Além de não haver precedente, a encarnação do Filho Unigênito de Deus não se repete no transcurso das épocas ou na eternidade. “E o Verbo se fez carne”, de uma vez por todas e para sempre.

É certo que, no maravilhoso cenário da história redentora, a atenção se concentra na pessoa do Cristo de Deus. Maria, porém, tem ali também um lugar de proeminência. Não desejamos passar por cima de sua pessoa nem permitir que sejam somente outros que lhe rendam tributo de admiração e respeito, se aproveitando do seu maravilhoso exemplo de submissão, obediência e profunda piedade.

Poderíamos dizer, sem medo de errar, que Maria é patrimônio de todos nós que professamos ser cristãos. Se existe uma espécie de monopólio mariano é porque temos permitido isso por razões teológicas e, quem sabe, pelo temor de cair nos excessos que outros têm caído por sua devoção a Maria, a serva do Senhor. Como resultado do que podemos chamar e “apatia mariana”, muitos pensam que não gostamos de Maria ou, no pior dos casos, que somos inimigos. Nada está mais longe da verdade, mas esta é a atitude que não poucos creram ter percebido ou que alguns, maldosamente, nos têm atribuído. Temos que corrigir essas impressões falsas e responder a toda acusação falsa no testemunho cristológico e mariano das Sagradas Escrituras, tendo uma atitude respeitosa para com a mãe de Jesus, o nosso Divino Salvador.

A mais linda história que já foi contada e, sem dúvida alguma, a do nascimento de Jesus e dos fatos que envolveram Maria, a mãe do Salvador. Maria foi uma mulher pura, santa, piedosa, virtuosa e humilde, até o sacrifício. Ela conhecia bem as Sagradas Escrituras do Velho Testamento, daí a sua fé e a beleza do seu caráter de esposa e mãe.

Isto posto, voltemo-nos para uma passagem do Evangelho de São Lucas (1.26-56) para nos encontrarmos de novo com a bendita Virgem, a autêntica Maria de Nazaré, a “serva do Senhor”, revelada pelo Espírito Santo através de seu servo, o médico, historiador e evangelista Lucas. É nossa intenção, dizer algo sobre seus privilégios, as palavras que recebe e as que ela pronunciou. Se ela, como discípula, imitou a Cristo, seu Filho especial, seu próprio Criador e Deus sobre si mesma, nós, como discípulos de Jesus, devemos fazer o mesmo. Mas, para tal, torna-se imprescindível enxergar honestamente o que a Bíblia Sagrada afirma a seu respeito sobre os seus privilégios, as palavras que foram dirigidas a ela, e o que ela afirma de si mesma.

Em primeiro lugar, os privilégios de Maria. O fato de que Maria era da Casa de Davi, é um ensino da tradição cristã. Contudo, a linhagem de Maria tem sido objeto de discordância entre alguns exegetas do Novo Testamento.

O historiador Lucas não afirma no capítulo 1 de seu evangelho que Maria era de descendência davídica. Diz, no entanto, que José era “da casa de Davi” (1.27). Não falta quem prefira ler “a uma virgem da casa de Davi”, deixando entre parênteses o fato de que estava “desposada com certo homem cujo nome era José”. No versículo 36, o anjo diz que Isabel (“das filhas de Arão” 1.5) era parenta de Maria, o que poderia significar que a mãe de Jesus era de família sacerdotal. A filha de um sacerdote poderia ter um grande número de parentes que não tinham qualquer ascendência sacerdotal. Frequentemente tem sido afirmado nos círculos cristãos que é possível que Maria viesse da mesma linhagem de José, se a genealogia do Evangelho de Lucas (cap. 3) é da mãe do Messias. Lucas destaca que José era “da casa de Davi” (1.27), porque legalmente o filho recebia de seu pai os direitos de dinastia. Jesus era legalmente (de jure) filho de José e filho de Davi, tendo, portanto, direito ao trono messiânico.

A descendência davídica de Jesus de Nazaré se encontra bem atestada no novo Testamento. O anjo Gabriel diz a Maria “Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai” (Lucas 1.32). Paulo declara: “... com respeito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi” (Romanos 1.3).

Está claro que Maria pertencia ao remanescente fiel da nação israelita, ou seja, o grupo de descendentes de Abraão que anelava a vinda do Messias anunciado pelos profetas do Antigo Testamento. O nome dos pais de Maria não aparece nas Sagradas Escrituras judaico-cristãs. É a literatura apócrifa que se encarrega de fornecer os nomes que a Igreja Católica Romana tem incorporada ao seu santoral: Joaquim e Ana. Supõe-se que Maria nasceu e se criou num lar piedoso. Ali teria ouvido pela primeira vez as grandes promessas do Senhor Deus ao Seu povo Israel. Não sabemos se Maria alguma vez pensou na possibilidade de que seria a escolhida do Senhor Deus para a encarnação do Filho Ungido de Deus. Ela aparece bastante surpresa quando ouve o anúncio do anjo Gabriel. Não havia honra maior para uma mulher israelita do que chegar a ser a mãe do Messias. O que o anjo Gabriel e Israel dizem a Maria ressalta a grandeza deste privilégio.

Em segundo lugar, as palavras dirigidas a Maria. Vejamos em primeiro lugar as palavras do anjo Gabriel: “Salve, muito favorecida” (1.28). A palavra traduzida por “salve!” é uma expressão de saudação. O grego (chaire) pode ser neste caso um equivalente do hebraico shalom lak: “a paz seja contigo”, que também é uma saudação. Não obstante, parece que a saudação angelical a Maria (chaire) tem o significado de “regozijo” ou “alegria”. É a alusão à alegria messiânica que se inicia. É como se o anjo dissesse a Maria: “Regozija-te pelo favor que te foi conferido”. Talvez uma tradução mais literal fosse: “Te saúdo, muito favorecida”.

A expressão “muito favorecida” é usada para traduzir um particípio grego que se encontra no perfeito e na voz passiva (kecharitômeun). O particípio indica que o Senhor já escolheu a Maria para que seja a mãe do Messias. Como o verbo está no particípio, se expressa assim que Maria havia sido eleita há muito tempo. Está claro que Maria é objeto da graça divina! Ela recebe, à parte de todo mérito humano, o favor do Senhor. Isto posto, verificamos que não há mérito na pessoa de Maria para sua salvação nem para a salvação de outros.

A tradução gratia plena (“cheia de graça”) na Vulgata Latina lamentavelmente não é fiel ao texto original, porém tem sido conservado nas versões católicas, como por exemplo, na edição da editora AVE-MARIA, a Bíblia dos Monges de Maredsous, religiosos beneditinos da Bélgica, muito usada hoje por alguns católicos romanos, mormente pelos católicos carismáticos. Da tradução oferecida da Vulgata surge a ideia de que Maria está cheia de graça para a bênção dos pecadores. Ela é a fonte mais do que o objeto da graça. Ledo engano. A tradução “gratia plena”, na Vulgata, é correta se significa ‘cheia de graça que tens recebido’. O texto grego indica simplesmente que Maria é objeto do favor de Deus. Tampouco é necessário encontrar a ideia de plenitude no verbo original.

“O Senhor é contigo” (Lucas 1.28). Num texto como este, a expressão “o Senhor é contigo” contém muito mais do que uma saudação ao estilo vetero-testamentário (Rute 2.13). Pode indicar um favor especial ou uma promessa que vem do Senhor para o cumprimento de uma tarefa que Ele tem confirmado. Trata-se mais de uma afirmação do que um desejo. Ela prepara a pessoa que a ouve para servir Deus de uma determinada forma, com a certeza de que Ele a ajudará.

É impossível deixarmos de lado que um dos nomes do Messias é Emanuel: “Deus conosco” (Mateus 1.23; Isaías 7.14). Geralmente dizemos que a graça de Deus é um favor que recebemos Dele, sem o merecermos. Outros sublinham que a graça significa também que Deus tem Se colocado ao nosso lado, que Ele está ao nosso favor em Cristo. Ele não está contra nós, mas conosco, por nós.

Para assumir a maternidade messiânica e manter-se em sujeição à vontade divina, mesmo diante das críticas que viriam por causa da gravidez, repudiável aos olhos da sociedade israelita, Maria necessitava mais do que nunca a presença e o poder do Senhor.

“Mas o anjo lhe disse: Maria, não temos; porque achaste graça diante de Deus”! (Lucas 1.3). Usa-se frequentemente o “não temas”, em ambos os testamentos, para tranquilizar a pessoa que está conturbada por uma revelação especial (Lucas 1.3; 2.10, Atos 18.9). A expressão ”achaste graça” tem uma tônica vetero-testamentaria. Maria não disse, como no caso de outros personagens bíblicos, “sim, achei graça aos teus olhos”. A ênfase recai sobre a iniciativa de Deus, na Sua livre escolha, para a manifestação do Seu favor imerecido. A ênfase não está no ato pelo qual o ser humano recebe a graça de Deus. A ênfase não está no ato pelo qual o ser humano recebe a graça de Deus. Tudo é de graça, à parte de qualquer mérito humano.

“Bendita és tua entre as mulheres” (Lucas 1.42) O particípio grego que se traduz “bendita” está na voz passiva e significa que Maria é a receptadora do favor de Deus. Ela é a favorecida do Senhor como instrumento para a encarnação do Logos eterno. O mesmo verbo é aplicado aos crentes, em Efésios 1.3. Paulo diz que o Senhor “nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo”. Em Lucas 1.42, o particípio tem um sentido superlativo: “Tu és a mais bendita entre todas as mulheres”. Esta bênção especial se deve ao filho de Maria! Também sobre Ele Isabel diz que é “bendito”. Nenhuma outra mulher teve ou terá o enorme privilégio de levar ao seu seio o Messias, o Rei dos reis e Senhor dos senhores! Maria é, portanto, a mais famosa de todas as mães na história da humanidade!

Isabel também a chama de “bem-aventurada” (v.45), isto é, “ditosa” ou “mais do que ditosa”. Era de se esperar que uma mulher israelita se sentisse muito feliz por seu estado de gravidez. A mãe do Messias tinha razão ainda maior para se regozijar! Maria era “bem-aventurada” porque creu no cumprimento das promessas do Senhor Deus. Era uma mulher de fé! Esta é uma de suas grandes virtudes! O objeto de sua fé era a palavra do Senhor. Cria em Deus e na Sua palavra! Por isso, Maria se levanta, diante de nossos olhos cheios de admiração, como um exemplo de fé, digno de ser imitado!

Em resumo, o anjo Gabriel e Isabel dizem que Maria era objeto da graça de Deus, que seu privilégio maternal era singular por várias razões e que Maria era imensamente ditosa por haver crido no Senhor. Isto e nada mais é dito a Maria nesta passagem tocantes aos privilégios de sua maternidade messiânica. Em nenhuma porção das Sagradas Escrituras há referência direta ou indireta aos supostos privilégios que a Igreja Católica Romana tem atribuído à mãe de Jesus, tais como sua concepção imaculada, sua virgindade perpétua, sua ascensão aos céus em corpo e alma e sua obra de mediação redentora. Ressaltar isso é sacrilégio, é heresia.

Em terceiro lugar, as palavras de Maria ao anjo. A Bíblia diz pouca coisa em relação à Maria, e esta diz pouca coisa na Bíblia. Na passagem que estamos considerando (Lucas 1.26-56), temos as palavras de Maria ao anjo e o cântico chamado Magnificat.

Maria pede uma explicação: “Como será isto, pois não tenho relação com homem algum?” (v. 34) Não é crédula. Sua fé na palavra de Deus não é irracional. Sua humildade não está em discordância com o desejo de conhecer mais dos propósitos e métodos do Senhor. A resposta do anjo é categórica e satisfatória para a virgem de Nazaré.

Maria responde com submissão: “Aqui está a serva do Senhor, que se cumpra em mim conforme a tua palavra”. (v.38) Ela dá a si mesma o título de “serva do Senhor”. Maria está muito distante de arrogar a si honras que não lhe pertencem. Indubitavelmente ela se sentiria incomodada e até indignada se escutasse os títulos e privilégios que a mariologia católica romana e popular lhe atribui. Entre muitas outras coisas, famigerado Alfonso Maria de Ligório (século XVIII) diz que Maria é “Senhora”, “Rainha do céu”, “Rainha dos anjos”, ”estrela do mar”, “precursora do sol de justiça”, “dispensadora da graça”, “nossa única esperança” , “escada dos pecadores”, “ não se chega a Deus senão por intermédio, e não se chaga a Jesus Cristo a não ser por Maria”, “se Maria não interceder por nós não alcançaremos a salvação”, é “mãe onipotente pela onipotência do Filho... no sentido de que suas petições alcançam tudo que pedem”. E pasmem todos, por causa desses disparates todos e palavras sacrílegas, sem nem um sustentáculo da palavra de Deus, ainda assim foi considerado ‘santo’ e incluído no santoral da Igreja Católica Romana. É inacreditável, mas é verdade! Tudo isso está escrito do livro “Glórias de Maria” que se encontra em qualquer boa livraria católica, podendo ser consultado. De acordo com a “palavra da verdade do evangelho”, isto não passa de expressões de blasfêmias terríveis e inaceitáveis à Mãe de Jesus, pois não tem nenhum sustentáculo, repito, nas Sagradas Escrituras.

Depois de se apresentar como “serva do Senhor”, Maria declara: “...que se cumpra em mim conforme a tua palavra”. (v.38). Diz a versão latina: “fiat (faça-se) mihi secundum verbum tuum”! Este é o famoso “fiat” que a teologia católico-romana magnifica para dar a Maria parte na obra redentora. O “fiat” de Maria, portanto, não se refere somente ao fato de ser mãe, mas de ser mãe de Jesus Cristo, com consciência plena do ministério de seu Filho. Isto não significa que Maria tenha entendido tudo plenamente, mas que compreendeu que o dito mistério se realizava nela.

Uma aplicação prática destas cogitações enganosas é que a nossa salvação depende do consentimento de Maria naquele momento decisivo na história da salvação. Que sua maternidade é soteriológica. A Bíblia nada diz acerca dos privilégios soteriológicos atribuídos à mãe de Jesus no Catolicismo Romano. Tudo se reduz a uma dedução de sua relação maternal com o Messias. Por outro lado apreciamos grandemente a parte importantíssima que ela teve como instrumento do poder divino na encarnação do verbo de Deus.

Por último, o cântico de Maria, chamado Magnificat, devido à sua primeira palavra na versão latina (magnificat anima mea Dominum), não é dirigido a Isabel, embora surja como reação à sua saudação. Também não se trata propriamente de uma prece a Deus. O cântico fala de Deus usando a terceira pessoa. Maria não faz pedidos ao Senhor. O cântico é um testemunho de fé em Deus e de louvor a Ele por Seus poderosos feitos a favor de Maria e do povo de Israel. Certamente o cântico é mais judaico do que cristão e mais nacionalista do que universal. Todavia, também é profético e o seu cumprimento messiânico se projeta a todo o mundo.

O Magnificat nos faz lembrar de imediato o cântico de Ana (I Samuel 2), e Maria faz uso de várias expressões veterotestamentárias. A natureza antológica deste hino de adoração tem uma unidade e beleza. Suas palavras parecem refletir a profunda piedade de uma alma que tem se saciado nas fontes messiânicas do Antigo Testamento. O cântico tem duas partes principais. Na primeira, Maria exalta ao Senhor e se regozija nEle (vv. 46,47); na segunda parte, explica os motivos de sua adoração (vv. 48-55).

Vejamos a natureza da adoração (vv.46,47). A partir do mais profundo do seu interior e com todo o seu ser, Maria glorifica ao Senhor: “A minha alma engrandece ao Senhor”. Como num êxtase e impulsionada pelo Espírito Santo, Maria, com alegria, irrompe em adoração a Deus. É um testemunho de fé: “e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador”. Da mesma forma que todos os seres humanos, Maria necessita de salvação que Deus provê por sua graça numa resposta de fé! Não há o que negar sobre isso, está bem claro!

Vejamos os motivos da adoração (vv.48-55). Em primeiro lugar, Maria magnifica o Senhor pelos grandes favores que tem recebido dEle. “Porque contemplou na humildade de tua serva”. Mais uma vez, ela se declara “serva do Senhor”. Sua humildade é evidente! No entanto, a palavra que é traduzida por “humildade” não parece se referir à virtude da humildade, mas a sua situação de desvantagem na sociedade. Maria era de família pobre, que morava num povoado menosprezado pelos israelitas de outros lugares da palestina (“de Nazaré pode sair algo de bom?”); era uma jovem desconhecida e lhe faltava tudo aquilo que poderia lhe dar fama ou renome no mundo. Esta situação ressalta a graça de Deus. A mãe do Messias não foi escolhida entre as altas camadas sociais de Jerusalém. Maria não era uma princesa, mas uma escrava, isto é, uma serva. Definitivamente o Messias viria como “justo e salvador, humilde” (Zacarias 9.9) para identificar-se especialmente com os pobres e oferecer a sua vida por todos, ticos e pobres igualmente.

Com Sua graça divina, Deus olhou para Maria, a humilde jovem do vilarejo menosprezado da Galileia e por isso ela seria uma das personagens mais famosas da história mundial! A sua fidelidade seria celebrada por “todas as nações”.

Continuando, Maria louva o Senhor porque o Poderoso tem feito “grandes coisas”, e uma delas era nada menos do que o milagre da encarnação do Filho de Deus! Somente Ele poderia efetuar este portento!

Maria pensa também nos outros, não somente em si mesma. O Deus poderoso e santo tem mostrado a Sua misericórdia “de geração em geração” para todos os que O temem, isto é, aos que Lhe mostram temor reverente. Mas Ele também é Deus justo que estende o Seu braço para juízo, dispersando os soberbos e derrubando dos tronos os poderosos. Exalta os humildes e humilha os soberbos. Enche de bens os pobres e despoja os ricos de seus tesouros. Existe no Magnificat uma forte ênfase política e social impossível de ocultar.

Os verbos estão no passado, mas têm um sentido profético. Projetam-se a um futuro messiânico. É inegável que, com a encarnação do Verbo, irrompe uma nova era na história da humanidade. Foi inaugurado o reino presente do Messias no mundo (Mateus 13; Colossenses 1.13...), e está por vir o Seu reino terreno, político, anunciado pelos profetas do Antigo Testamento e pelo próprio Messias na sua primeira vinda (Mateus 19.28; Lucas 22.18).

Nos versículos 54 e 55, Maria se volta para a nação de Israel que é de forma especial o objeto da misericórdia de Deus. O milagre da encarnação de acha dentro do cumprimento das promessas do Senhor ao Seu servo Israel. De uma maneira antropomórfica é dito que Ele Se lembrou de Sua misericórdia. Em contextos como o de Lucas 1.46-55, a palavra “misericórdia” pode corresponder ao hesed (fidelidade, lealdade, misericórdia) do Antigo Testamento, em relação aos pactos que Deus fez com o Seu povo. Quando se estabelecia um pacto entre um senhor e seu subordinado, e este último quebrava o pacto, o senhor podia mostrar não somente fidelidade à sua promessa, como também misericórdia para com o transgressor. Daí vem o significado de misericórdia que hesed veio a ter. Podia também se referir á atitude compassiva do senhor diante do servo que se encontrava em aflição. Neste caso o pacto gerava misericórdia.

Numa perspectiva horizontal da história poderia parecer que Deus havia Se esquecido de Suas promessas. Porém, não foi o que aconteceu! Deus Se lembra de Sua misericórdia, sobre a qual havia falado aos pais, especialmente a partir do pacto com Abraão e sua descendência para sempre.

O Magnificat é um cântico essencialmente teísta. Seu tema central é a majestosa pessoa do Senhor, na magnificência dos Seus atributos, na realização de Sua obra redentora, na execução do Seu juízo implacável, no fiel cumprimento de Suas promessas messiânicas. Ele é poderoso e santo, misericordioso e justo, senhor e salvador!

Maria, a serva, assume a posição de uma escrava que humilde e alegremente exalta o seu Senhor. O Magnificat não engrandece a Maria, mas ao Senhor! Esta é a ênfase do cântico, de todo o relato de Lucas e de todo o Texto Sagrado, desde Gênesis até o Apocalipse. Por outro lado, dá-se à mãe de Jesus o lugar que lhe corresponde e a honra que ela merece na história da salvação.

Não há dúvida de que Maria, a “serva do Senhor”, estaria mais do que satisfeita com o retrato que os escritores bíblicos fazem dela. Num comentário sobre este retrato, ela exclamaria de novo: “A minha alma engrandece ao Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador”.

Chegamos à conclusão que não é possível passar por cima do grande contraste que existe entre a doutrina e a veneração de Maria do Catolicismo Romano e a mariologia bíblica. É verdade que o relato que estudamos em termos gerais, afirma que, por sua maternidade messiânica, Maria é "bendita entre as mulheres”. Observem que Isabel, conforme o relato bíblico, não chamou Maria de “bendita acima de todas as mulheres” Porque “bendito” que está acima de todos os homens só existe apenas um, “o fruto do ventre de Maria”, ou seja, Jesus Cristo, Homem! Louvado seja o Nome do Senhor!

Da mesma forma, todas as gerações a chamariam “bem-aventuradas”, porque creu no que lhe foi revelado e pelas “grandes coisas” que lhe fez o poderoso. Impulsionada pelo Espírito Santo, Maria se eleva aos topos proféticos e exalta o seu Senhor e Salvador. Maria não é nada menos do que o vaso escolhido para o milagre da encarnação do Verbo de Deus! Todavia, não pensa de si mesma mais do que deve pensar. Não esquece sua origem humilde nem sua baixa condição social. Não se considerara “senhora”, mas “SERVA DO SENHOR”, e mesmo sendo a mãe do Rei (Lucas 1.31-33) não deixa de se considerar serva! Que maravilha! Ela se identifica mais do que nunca com o seu povo Israel!

Maria é crente e devota, humilde e obediente, submissa à vontade divina, mãe e esposa exemplar. Ensina-nos, em palavra e ação, o que significa se fiel a Deus, custe o que custar. Não procura atrair a atenção para a sua pessoa! Dirige a atenção para Deus a que magnifica pelo que Ele é e pelo que Ele tem feito e pelo que fará a favor dos que o temem!

Esta é a Maria, a serva do Senhor, das Sagradas Escrituras! Conheçamo-la de perto! Maria merece o nosso profundo respeito e a nossa sincera admiração! Seu exemplo de fé, obediência e devoção é digno de ser imitado, especialmente no que diz respeito à fé que, para sua salvação, ela depositou somente no Senhor! É desta Maria, a “serva do Senhor”, que as Escrituras Sagradas nos falam, bem diferente da Maria tornada deusa, das “nossas senhoras” do Catolicismo Romano.

Noutra oportunidade, traremos aqui comentários e apresentações, da “Maria do Catolicismo Romano” para que possamos fazer comparações dessa “deusa” estranha vinda do paganismo e cristianizada pelo Catolicismo Romano, nada tem a ver com a Maria de Nazaré, a “serva do Senhor”, apresentada e realçada pelas Sagradas Escrituras. Aguardem!

domingo, 15 de janeiro de 2012

Entendendo o que realmente diz Paulo em I Coríntios 11.17-34

Pr. José BARBOSA de Sena NETO


O Banquete e a Ceia

A descrição da Ceia do Senhor encontra-se, nas Escrituras Sagradas, em quatro autores diferentes: Mateus (26.17-29), Marcos (14.12-26), Lucas (22.7-23) e Paulo (I Coríntios 11.17-34).

O texto clássico sobre a Ceia do Senhor, porém, é o de I Coríntios 11.17-34, no qual o apóstolo Paulo, diferentemente dos demais escritores inspirados, não apenas descreve a instituição do memorial pelo Senhor, mas encaixa o evento na situação real da Igreja de Cristo e adorna-o de comentários doutrinários.

As fantasias e superstições de líderes evangélicos oriundos da Umbanda ou do Kardecismo e a influência de livros de escritores anglicanos e luteranos, que interpretam de modo místico e sacramental os textos referentes à Ceia do Senhor, principalmente o texto clássico paulino, têm inseminado na comunidade evangélica ideias católicas acerca dos elementos da Ceia do Senhor.

Assim, afigurasse-nos necessário, neste estudo, fazer uma breve análise do texto de I Coríntios 11.17-34 (juntamente com outras duas porções das Escrituras, ambas em I Coríntios, ambas importantes para a compreensão desse texto clássico, uma anterior a ele, 10.14-17, e a outra, posterior, 12.12-13,27, dentro do seu contexto imediato), dissecando-lhe aqueles pontos mais distorcidos pelas seitas “católico-evangélicas”. Cumpre-nos, igualmente, analisar também o texto de João 6.33—58,63, que, embora não se refira à Ceia do Senhor, tem sido alvo de distorções semelhantes.

Observe-se a expressão “comer ... beber indignamente”. “Indignamente” é advérbio de modo. Desempenha a função sintática de adjunto adverbial e não de predicativo do sujeito, um qualificativo. Indica a maneira como alguma coisa é feita. Comer indignamente não é comer (estando) indigno (predicativo), mas é comer (agindo) de maneira indigna (adjunto adverbial). “Indignamente” refere-se a atos, a atitudes, e não a pessoas ou coisas. Uma pessoa pode ser considerada "digna” (adjetivo), mas, ainda assim, em determinada circunstância, agir “indignamente” (advérbio de modo). Da mesma forma uma pessoa “indigna” pode agir “dignamente”.

E é interessante observar que as pessoas que se consideram indignas são geralmente as mais dignas. Por outro lado, as pessoas mais indignas são aquelas que mais se consideram dignas. Os crentes mais consagrados realmente ao Senhor são, invariavelmente, os que se reconhecem mais indignos da misericórdia de Deus e confessam que devem tudo a Sua graça. Já os religiosos fariseus são quase sempre arrogantes e se julgam os mais dignos entre os homens. A nossa indignidade diante de Deus é uma realidade irrefutável e nem podemos esquecer que foi Deus “que nos fez idôneos para participar da herança dos santos na luz” (Colossenses 1.12).

O texto paulino não diz que os coríntios eram indignos ou se achavam indignos de participar da Ceia do Senhor, mas que, ao reunirem-se para cear, estavam agindo de maneira indigna. A maneira indigna como eles agiam é que era indigna: além de haver dissensões entre eles, os mais abastados financeiramente levavam abundante provisão de comida e bebida para fazer um verdadeiro banquete antes da Ceia do Senhor e, nessa lauta refeição, cada um comia e bebia o que levava, sem a necessária ordem e sem nenhuma consideração para com os irmãos mais pobres, que, nada tendo para levar, nada comiam e nada bebiam. Nessa desordem, era natural haver, na hora da Ceia do Senhor, pessoas sentindo-se humilhadas e desprezadas!

Era esse o problema dos crentes de Corinto. Tanto que o apóstolo recomenda-lhes que, quando eles se ajuntassem para comer, “esperassem uns pelos outros”, e se alguém tivesse com fome, comesse em casa, a fim de não se reunirem para condenação (10. 33-34). O problema era de fácil solução, portanto. Por sinal, convém não esquecermos que banquete em igreja é quase sempre sinônimo de problema! Por isso é que indaga o apóstolo: “Não tendes, porventura, casas para comer e para beber? Ou desprezais a igreja de Deus e envergonhais os que nada têm? Que vos direi? Louvar-vos-ei? Nisso não vos louvo” (I Coríntios 11.22).

Em face da maneira indigna como se portavam os coríntios na celebração do memorial da nova aliança, Paulo afirma que não é a Ceia do Senhor que eles comem, mas a ceia deles mesmos. O apóstolo não faz nenhuma restrição ao cerimonial ou à liturgia da celebração empregados por eles. Qualquer que fosse o ritual por eles adotado era vazio com certeza! Não anunciava a morte do Senhor até que Ele venha! Faltava-lhes o “sejam um em nós”. A união pelos laços do amor é que seria a grande mensagem, pois proclamaria ao mundo a transformação de vida neles operada pelo poder do Senhor ressuscitado: “Para que todos sejam um, como Tu, ó Pai, o és em Mim, e eu, em Ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste”(João 17.21).

Comunhão é união, é identificação de ideias e propósitos, é companheirismo, é parceria. A comunhão do Corpo de Cristo é a integração dos crentes, unidos pelos laços do amor! Participar do “mesmo pão” (I Coríntios 10.17) é sinal de “comunhão” (I Coríntios 10.16). Aquele, pois, que se senta à “mesa do Senhor” (I Coríntios 10.21) e, ao mesmo tempo, nega com seus atos a comunhão com os membros do Corpo de Cristo, não está “discernindo o Corpo do Senhor” (I Coríntios 11.29) e, como consequência, está participando indignamente da comunhão desse corpo. Comer e beber indignamente é fazer como faziam os coríntios, que, dizendo participar do memorial da nova aliança no sangue de Jesus, maltratavam os crentes mais humildes, “não discernindo o Corpo do Senhor’.

Discernindo o Corpo do Senhor

“Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos; quem não ama a seu irmão permanece na morte” (I João 3.14). Todavia, entre os coríntios, havia dissensões, formavam-se partidos, fazia-se acepção de pessoas. Faltava-lhes o amor, “que é o vínculo da perfeição” (Colossenses 3.14), pois desprezavam e envergonhavam membros do Corpo de Cristo. Faltava-lhes discernimento para compreender que “o corpo de Cristo” são os crentes e não o pão da ceia! Não discerniam o Corpo do Senhor, que somos todos quantos temos o Espírito de Cristo (Romanos 8.9). É possível que devotassem grande respeito e veneração aos elementos da ceia (como muitos faz hoje em dia!), mas Jesus não estava no pão e sim nos irmãos, inclusive, e paradoxalmente, naqueles que estavam sendo desprezados e envergonhados. Discernir algo é identificá-lo, distingui-lo de outras coisas. Faltava-lhes discernir que o Corpo de Cristo “é a Igreja” (Colossenses 1.24).

Para Paulo, a expressão “corpo de Cristo” designa sempre a comunidade dos remidos (Romanos 12.5; I Coríntios 12.12-27; Gálatas 3.27-29; Efésios 1.22-23; Colossenses 1.18-24; 3.15). Mesmo o pão da Ceia do Senhor, que representa o corpo físico de Cristo, o Cordeiro de Deus, imolado por nós na cruz, representa também a Igreja, que é o Corpo de Cristo (I Coríntios 10.17; Efésios 1.22-23).

Observe-se a identificação que o Senhor faz de Si mesmo com o Seu povo. É enfática demais para que possa passar despercebida a alguém: “Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a Mim o fizestes” (Mateus 25.40). Assim também, quando Saulo perseguia os discípulos do Senhor, este, no caminho de Damasco, indagou-lhe: “Saulo, Saulo, por que Me persegues?” (Atos 9.4).

O texto paulino não defende uma ‘teologia sacramental’, onde os elementos da Ceia teriam poderes sobrenaturais, de modo que quem deles come em santidade receberia ricas bênçãos celestiais enquanto que quem deles come estando “indigno”, isto é, estando em pecado (com alguma falha em sua vida), sofreria severo castigo. Ora, o grande mistério de Deus, “que esteve oculto desde todos os séculos, e em todas as gerações”, não é Cristo no pão da ceia, mas é “Cristo em vós (nós), esperança da glória” (Colossenses 1.26-27). O pão representa o Corpo de Cristo, a Igreja é esse corpo. Um é um símbolo, o outro é a realidade!

Disciplinados Pelo Senhor

O apóstolo Paulo explica que se o crente, quando errar, se julgar a si mesmo, vendo onde errou e procurando corrigir-se do erro, não será julgado pelo Senhor. Mas se o crente não se corrige a si mesmo, antes permanece no erro, o Senhor o disciplina, pois quando o Senhor julga o crente é para sua correção, porque o crente, por pertencer a Jesus, não pode ser condenado com o mundo (I Coríntios 11. 31-32). A falta de amor para com os irmãos, a falta de ordem na Igreja e a falta de autodisciplina por parte dos crentes estavam trazendo sobre eles a disciplina do Senhor. (I Coríntios 11.30).

A relação entre Deus e o pecador não convertido é uma relação entre o juiz e o réu. Não há comunhão, não há amor, não há disciplina. Mas, quando o pecador se converte ao Senhor, a sua relação com Deus passa a ser uma relação entre Pai e filho. Uma relação em que há comunhão, amor e disciplina. Para os que estão em Cristo Jesus, já não há “nenhuma condenação” (Romanos 8.1), mas há disciplina! (Hebreus 12.5-8)


Isto é o Meu Corpo

Os crentes genuinamente evangélicos e nós, os crentes reconhecidos no século como Batistas, em particular, temos rejeitado, através dos tempos, não somente a doutrina da ‘transubstanciação’ católica romana (presença real de Cristo na Ceia pela transformação dos elementos pão e vinho no Seu corpo e sangue) como também a da ‘consubstanciação’ luterana (presença real de Cristo na Ceia, pela união de Cristo com os elementos pão e vinho), por entendermos que tanto uma como a outra, embora amparadas por bem elaborados argumentos filosóficos, carecem de fundamento bíblico e, o que é pior, induzem à idolatria.

A assim-chamada ‘Igreja Católica Romana’ afirma: “No santíssimo sacramento da Eucaristia estão ‘contidos verdadeiramente, realmente e substancialmente o Corpo e o Sangue juntamente com a alma e a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e, por conseguinte, o Cristo todo’ ”(Catecismo da Igreja Católica, Ed. Vozes-Ed Loyola, p.379 #1374; Conc. De Trento, Denzinger-A Schönmetzer #1651) Afirma, também: “A presença real de Cristo resulta da singular conversão de toda a substância do pão no corpo e de toda a substância do vinho no sangue, ainda que permaneçam as espécies de pão e de vinho. A esta conversão a Igreja católica chama com propriedade (aptissime) transubstanciação.” (Idem)

A encíclica Mysterium fidei, de 3 de setembro de 1965, assinada pelo finado Paulo VI traz novas interpretações. As categorias e a linguagem tridentina marcadas pela teologia escolástica, já se tornaram irrelevantes para o homem moderno. Nos anos 60 foi de grande notoriedade a preocupação por corresponder à mentalidade moderna, dando chance a chamada ‘crise holandesa’, preocupação esta que aflorou de modo muito forte nos Países Baixos. Os teólogos católicos continuaram defendendo que a eucaristia é um evento de salvação em favor dos homens, mas o importante, naquele momento, era “o novo significado e a nova finalidade”. Do pão e do vinho depois da consagração. “Transfinalização e transignificação” seriam para os tempos modernos bem mais adequados para traduzir a assim chamada “transubstanciação”.

A encíclica “Mysterium fidei” veio trazer a modo de confissão da fé católica algo importante com toque suave na mudança da teologia escolástica, cujos tópicos, a seguir, são de fundamental importância: “Deve-se continuar mantendo a linguagem tradicional da Igreja (católica) sobre a presença real eucarística e a conversão. As fórmulas podem ser investigadas e explicadas, mas nunca em sentido diferente ao que foram propostas” (AAS, Acta Apostolicae Sedis, 57 (a965) 758). “Há presença real de Cristo na Igreja (católica), mas a presença de eucarística é “substancial”: ‘Cristo inteiro, Deus e homem, se faz presente’. Não se reduz à presença “espiritual” de Cristo glorificado que existe no cosmos, nem a um sinal da intervenção de Cristo em favor de seus fiéis”. (Mysterium fidei, 764) Sobre as novas interpretações, “Com a transubstanciação, as espécies de pão e de vinho revestem novo significado e têm um novo fim; mas esse novo fim e esse novo significado supõem uma nova realidade ontológica . Porque há transubstanciação, também há transignificação e transfinalização” (Mysterium fidei, 766).

O que podemos observar é que os tratados teológicos romanistas, numa tentativa desesperada para explicar o não explicável, cada vez mais penetram numa emaranhado de opiniões ocas e sem sentido resultantes do ilógico proveniente da interpretação literal das palavras de Jesus ao instituir a Ceia Memorial. O teólogo Jesús Espeja, bastante respeitado nos meios do catolicismo romano, assim afirma: “Os termos ‘transubstanciação’ e ‘transfinalização’ (ou ‘transignificação’) devem ser usados com reserva. O primeiro, porque “substancia” nas ciências positivas já não tem o significado que teve na filosofia grega que serviu de base à teologia escolástica, comum aos padres conciliares de Trento. A “transfinalização” (ou “transignificação”) corre o perigo de ser imprecisa para expressar o realismo da presença” (Jésús Espeja, Sacramentos, Ed. Vozes, Petrópolis-RJ, 1992, p. 73). Por outro lado, muitos grupos evangélicos têm para com os elementos da Ceia do Senhor (“santa ceia”, para eles) uma devoção igual à que os católicos romanos têm para com a hóstia consagrada. Um verdadeiro culto de “latria” (culto de adoração suprema a Deus e à hóstia consagrada).

A assim-chamada ‘Igreja Católica Romana’ nos assegura que após a oração consecratória sobre o pão e o vinho, são transformados em alguma coisa diferente: corpo e sangue. Entretanto, a linguagem empregada nos textos de Mateus 26.26-29; Marcos 14.22-24; Lucas 22.19-20 e I Coríntios 11.23-26 não conduz a esta conclusão! O que podemos perceber é que era ação de graças e louvor rendidos a Deus, exatamente como o Senhor Jesus fez, quando alimentou a multidão, dando graças pelos pães e pelos peixes (João 6.11). O que nos chama à atenção são as palavras de Jesus depois da ação de graças: “Isto é o meu corpo... Isto é o meu sangue, o sangue da aliança”. Como poderia Jesus dizer que em Suas mãos estavam o Seu próprio corpo e o Seu próprio sangue, quando Ele ainda estava vivo no meio dos discípulos, habitando o mesmo corpo com o qual nascera da bendita Virgem Maria e com o qual andara e ainda estava andando na companhia dos discípulos?

Portanto, a assim-chamada “transubstanciação” (ultimamente travestida de “transfinalização” ou “transignificação”), fere frontalmente a inteligência das pessoas sensatas! O católico não procura a razão lógica da sua fé, crê em tudo que os seus teólogos lhe enfia garganta abaixo, pois se “Roma locuta, causa finita”, se aceita tudo sem contestação, daí o significado da palavra “fiel” que o católico recebe!

Outro fato muito interessante para o qual devemos lançar nossos olhares é o fato de Jesus, após ter abençoado o vinho, o tenha chamado de “o fruto da videira”! (Mateus 26.29; Marcos 14.25; Lucas 22.18). Isso demonstra de forma cristalina que a substância do vinho não havia mudado! E o apóstolo Paulo age do mesmo modo, quando chama os elementos da Ceia do Senhor de pão e de vinho!(I Coríntios 11.26). As narrativas da instituição da Ceia do Senhor e na Carta de Paulo aos Coríntios tornam claro, cristalinas, que o Senhor Jesus falou em sentido figurado, quando disse: “Este é o cálice da nova aliança no meu sangue...” (Lucas 22.20b). E Paulo, escrevendo a sua Primeira Carta aos Coríntios, após 25 anos que Jesus instituiu a Ceia, cita Jesus dizendo: “Este cálice é o novo testamento (ou nova aliança) no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim. Porque todas as vezes que comerdes (manducação) este pão e beberdes (potação) este cálice anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha” (I Coríntios 11.25-26). Notemos que nestas palavras Ele usou uma dupla figura de linguagem. O cálice representa o vinho e o vinho é chamado de novo testamento ou nova aliança. O cálice não era literalmente a nova aliança, embora definitivamente declarado, como o pão foi declarado ser o Seu corpo. Eles não beberam o cálice literalmente, como também não beberam literalmente a nova aliança!

Como é ridículo dizer que eles assim o fizeram! O seu corpo também não foi o pão literal, nem o vinho, seu sangue literal. Depois de dar o vinho aos Seus discípulos Jesus disse: “porque vos digo que já não beberei do fruto da vide, até que venha o Reino de Deus” (Lucas 22.18). Assim o vinho, mesmo que dele Jesus tenha tomado e depois dado aos Seus discípulos, continuou sendo o fruto da videira! Nenhuma “transubstanciação” ou “transfinalização” ou “transignificação” houve na substância! E isso aconteceu depois da oração de consagração que Jesus fez, quando a assim-chamada ‘Igreja Católica Romana’ supõe e ensina que aconteceu a alteração, mesmo tendo Jesus e Paulo declarado que os elementos, a substância, continuam sendo pão e vinho!

Voltamos a enfatizar que na ocasião em que estas palavras foram ditas, o pão e o vinho estavam sobre a mesa, DIANTE DELE, e Ele estava assentado à mesa em Seu corpo, como qualquer pessoa viva! Lembremo-nos que a crucificação ainda não havia acontecido! Eles – Jesus e Seus discípulos – comeram a Ceia antes da crucificação! Portanto, não podemos fazer algo em memória de alguém que está presente, como a assim-chamada ‘Igreja Católica Romana’ faz, dizendo que Cristo está presente na missa! Notemos que ao invés de corpo, sangue, alma e divindade nos elementos, Paulo vê pão e cálice. Se o apóstolo Paulo cresse na presença real, corporal de Cristo sob as aparências do pão e do vinho, com certeza ele não teria dito: “até que Ele venha”, pois Jesus já estaria ali presente! O próprio Jesus ao afirmar: “... fazei isto em memória de Mim” (Lucas 22.19), teria excluído “ipso facto” a presença! Esta é a lógica! Da mesma forma se no pão Jesus se tornasse física e corporalmente presente – como afirma a assim-chamada ‘Igreja Católica Romana’ “... debaixo destas (espécies do pão e do vinho) está Cristo completo, presente na sua realidade física, mesmo corporalmente...”(Paulo VI, in Mysterium fidei, 46) evidentemente a Ceia não em memória!

A Ceia do Senhor instituída por Jesus não foi um tipo de operação mágica, mas exclusivamente um memorial! E com que finalidade? Com o objetivo de convocar todos os cristãos, através dos séculos, a que se lembrassem da crucificação do Senhor Jesus e de todos os benefícios dele proveniente! Um memorial não representa a realidade, como no caso de serem o pão e o vinho o Seu verdadeiro corpo e sangue, mas uma coisa totalmente diferente, que serve apenas como lembrança da coisa real. É perfeitamente óbvio a qualquer leitor observador inteligente que a Ceia do Senhor foi especialmente instituída como uma simples festa memorial. De maneira alguma, como uma ‘reencarnação’ de Cristo! Segundo a assim-chamada ‘Igreja Católica Romana’, aquilo que os sentidos apreendem depois da consagração do pão e do vinho, na assim chamada “transubstanciação”, são os acidentes. Ora, quando Jesus transformou a água em vinho, em Caná da Galiléia, as características da água desapareceram, porque a água deixou de existir, conforme João 2.9-10. Esse episódio é bastante claro à nossa inteligência!

A posição do Luterianismo não difere muito da posição católico-romana. E os próprios luteranos confessam essa realidade: “Nossas igrejas são falsamente acusadas de ter abolido a missa. Porque a missa é ainda retida entre nós e celebrada com grande reverência” . (Confissão de Augsburgo, de 1530, art. II, segunda parte).

A “transubstanciação” católico-romana e a “consubstanciação” luterana são, em síntese, a mesma coisa, conforme vemos no “Relatório da Comissão Mista Católico-Luterana sobre a Eucaristia”: (A Ceia do Senhor, Ed. Sinodal, 1978, pp. 23-25)

• “cristãos católicos e luteranos confessam em comum que a presença eucarística do Senhor Jesus Cristo visa o recebimento do crente, não estando, porém, limitado ao momento do recebimento, e igualmente não dependendo da fé do receptor por mais que ele seja orientada para esta”;
• “a discussão ecumênica demonstrou que essas duas posições não mais precisam ser consideradas como contraposições mutuamente excludentes (transubstanciação e consubstanciação). A tradição luterana consente com a tradição católica na afirmação que os elementos consagrados não continuam sendo simples pão e vinho, mas em virtude da palavra criativa são distribuídas como corpo e sangue”;
• “segundo a doutrina católica, o Senhor proporciona sua presença eucarística para além da realização do sacramento, enquanto persistem as formas de pão e vinho. Correspondentemente, os fiéis são convidados a prestar veneração a este santíssimo sacramento aquele culto de latria que é devido ao Deus verdadeiro”; (...) “também para eles (os luteranos) culto, veneração e adoração são adequados tanto tempo quanto Cristo permanece sacramentalmente presente”.

Ora, para quem adore a Jesus e creia que Ele está de alguma forma, presente nos elementos da Ceia, a consequência natural será a adoração desses elementos. E é exatamente isso que fazem os católicos romanos, quando adoram Jesus na hóstia consagrada. E é exatamente isso que fazem os luteranos em relação aos elementos da sua eucaristia, prestando-lhes “culto, veneração e adoração” enquanto, segundo o entendimento luterano, Ele permanece presente nesses elementos.

Alguns grupos evangélicos existentes entre nós têm para com os elementos da Ceia do Senhor (por alguns deles chamada de “santa ceia”) um forte sentimento de “latria”, de modo que lhes prestam um verdadeiro “culto latrêutico”, semelhante ao que o catolicismo romano devota à hóstia consagrada. Em face dessa veneração, as sobras de pão e de vinho ‘consagrados’ são para eles mantidas intocáveis e ou são ritualisticamente enterradas ou ficam guardadas até que, cobertas de mofo, sejam comidas pelos bichos, quando então, e somente então os vasos onde estiveram depositados podem ser lavados. Mas isso é idolatria! E idolatria que se vem infiltrando no seio da comunidade evangélica! E aqueles que hão de dar contas do rebanho permanecem indiferentes! O culto aos elementos da Ceia, qualquer que seja a sua forma, é idolatria. Tanto faz estar amparado na teoria da ‘transubstanciação’ como na tese da ‘consubstanciação’, ou simplesmente escorada na palavra carismática do líder. E os idólatras não têm parte no reino de Deus (I Coríntios 6.10). É por isso que o texto de I Coríntios referente à Ceia do Senhor começa com esta advert6encia: “Portanto, meus amados, fugi da idolatria”. (I Coríntios 10.14).

O que, realmente, Evangelho João Capítulo 6 ensina.

O texto de João 6.33-63, mormente os versículos 33-58, que o catolicismo romano e as seitas católicas utilizam como pretensa base bíblica para a tese da ‘transubstanciação’ ou da ‘consubstanciação’, não se refere à Ceia do Senhor, mas à conversão pela fé em Jesus. Os teólogos católicos, como é do seu hábito, transgridem na norma primacial da compreensão da Bíblia Sagrada ou de qualquer obra literária: a de interpretar o texto pelo contexto. Isolam parte do texto do discurso de Jesus feito na sinagoga de Cafarnaum e dão uma interpretação literal às palavras de Jesus, mas, se fossem honestos, deveriam adotar o mesmo critério em todo o discurso, pois várias vezes Jesus usou a expressão pão. Ao admitir a literalidade do vocábulo pão, certamente Jesus teria descido do céu na forma material, isto é, em forma de pão! E quem comesse literalmente desse pão viveria para sempre. Por que não se há de ser lógico, admitindo-se igual sentido figurado quanto aos vocábulos carne e bebidas?

Este texto tem sido utilizado para justificar a tese pagã-católico-romana de que, para ter a vida eterna, o pecador tem de comer (manducação) de Cristo no pão da ceia e beber (potação) o sangue de Cristo no vinho da Ceia. Comer e beber carne e sangue humano é coisa repulsiva e abominável a Deus, e também a qualquer pessoa mentalmente sã, especialmente aos judeus. Essa prática é contrária às Escrituras Sagradas e ao senso comum. (Levítico 17.10; Deuteronômio 12.16). Na lei judaica havia severa penalidade contra quem comesse sangue.

Comer a carne e beber o sangue de Jesus é vir a Ele, é crer nEle! Ele próprio o disse: “Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em Mim tem a vida eterna” (João 6. 47). Comparem-se os versículos 40 e 54. A mensagem é a mesma, sendo que, no verso 54, a mensagem do verso 40 é repetida de maneira figurada. Mas mente carnal é apegada à realidade física e incapaz de perceber a realidade espiritual. Quer ver e apalpar para crer. Precisa mastigar (manducação) e engolir (potação). O Deus Espírito não lhe basta! Precisa de um deus físico, material, palpável, mastigável até!

O mais impressionante é que quando Jesus quis falar aos Seus discípulos sobre assuntos importantes, isolou-Se com eles (Mateus 10.1-42; 18.1-35 dentre outras). Havia uma diferença enorme entre Jesus ensinar aos Seus discípulos e pregar às turbas (Mateus 11.7). Ao povo Ele pregava a Palavra, comparando-a a semente, para que se convertesse e aos Seus discípulos favorecia explicações bastante pormenorizadas que os preparassem para bem melhor servi-Lo (Mateus 13.10-23).

Outro detalhe importante, é que no Evangelho de João a Ceia do Senhor não é mencionada nesta passagem e nem está em seu contexto e nem em todo o Evangelho segundo João a ela se refere, pois se houvesse algum vínculo com o sermão na sinagoga de Cafarnaum com a Ceia do Senhor, certamente João teria mencionado, pois João dos quatro evangelistas é o mais meticuloso, mas ele não alude nada! É o único evangelista que não menciona nada, absolutamente nada, a respeito da instituição da Ceia por Jesus!

Portanto, comer a carne de Cristo e beber o Seu sangue é crer nEle! O “comer” e “beber” são figuras do crer! Quem crê no Senhor Jesus torna-se um com Ele, pois Paulo escreveu: “Mas o que se ajunta com o Senhor é um mesmo espírito” (I Coríntios 6.17). Faz-se habitação do Espírito de Cristo (Romanos 8.9-11). Cristo está em nós porque nEle temos crido!

O grande mistério de Deus, que esteve oculto dos séculos e das gerações, é realmente Cristo em nós, “a esperança da glória” (Colossenses 1.26-27). Mas não O recebemos ingerindo-O em forma de pão de farinha de trigo e vinho. Ou “ainda não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre e é lançado fora?” (Mateus 15.17). Nós, os crentes, não praticamos a teofagia!

Conclusão

Portanto, finalizando, a interpretação do texto de João 6 como referente à Ceia do Senhor, absolutamente contraria aos princípios da hermenêutica sadia, tem como objetivo apresentar um texto bíblico de defesa da tesa pagã sacramentalista, da qual depende a força e importância do clero católico romano.

A tese sacramentalista reivindica que a graça de Deus seria transmitida aos homens através dos ‘sacramentos’, que seriam os instrumentos necessários dessa transmissão. Assim é que o pecador, para receber a graça de Deus, ficaria na dependência dos ministros dos sacramentos, que ficariam sendo, na realidade, a instância nessa questão. Mesmo quando alguém argumentasse que, segundo as Escrituras Sagradas, somos salvos pela graça, por meio da fé, eles retrucariam, dizendo: ‘É pela graça, sim, mas para receber a graça, você precisa dos sacramentos, e como quem tem os sacramentos somos nós, você precisa mesmo é de nós, ministros dos sacramentos’!

Que Deus nos livre de tais heresias! Pensemos todos nisso! Leia e releia este estudo, demoradamente, para que possamos participar “dignamente” da Ceia do Senhor!